As ruas passaram a respirar a ti... e em cada lampião, ornamento feio e moderno incrustado em paredes antigas, ou belo e carregado de verdete e da malha do tempo, respiro os caracóis do teu cabelo solto e belo a enquadrar o teu belo rosto... Como as pedras da calçada me falam de ti a cada passo... como cada porta fechada, cada viela, cada entrada de bar, cada sobressalto ruidoso de gente a passar ou de ruelas desertas, me falam de ti, como se fosses aparecer ao virar de cada esquina ou no topo de uma rua estreita com a tua beca negra, refúgio negro de veludo acolhedor, fugidio... apetece-me chamar-te, mas sei que se elevar a voz não me vais ouvir pois afinal o que vejo é uma projecção, um holograma da imagem que trago dentro de mim e apercebo-me que tu és tudo e és eu, porque te tenho dentro de mim... e sim, sei que não me ias ouvir porque estás, na realidade, longe, mas sempre, sempre tão perto, dolorosamente perto porque cada espaço, recanto, escada, banco, parede, janela, cigarro projectado contra o escuro da noite, és tu que povoas... E todas as ruas se pintam de laranja dos lampiões que deixaste encantados sem saberes, porque deixaste o teu amor aqui, na tua presença agora invisível... E abraço-te todas as noites no vazio impossível mas tão real que se aninha nos meus braços... Mas fico com o teu cheiro e com cabelos soltos presos no banco do meu carro, que agarro e envolvo entre os dedos..., pedaço de ADN, pedaço de alma, mais que tudo pedacinho de ti!
Agora fumo cigarros sentado no banco, no canto outrora por ti ocupado... ainda vejo o reflexo da luz do teu celular a brincar com as curvas esguias do teu rosto... o teu cabelo apanhado em jeito rebelde que sempre adorei e que algumas vezes vi reflectido no retrovisor do meu carro, entre o escuro médio da condução animada nas noites da cidade, onde sempre consegui descobrir o teu sorriso, olhando-me no espelho... como uma porta aberta que eu fechei no meu peito, mas que não consegui trancar. Agora ela está escancarada à espera dos teus passos e deitei a chave fora...
Vagueio nas ruas de laranja nocturno e a faca de alma cortante e opressora está constantemente cravada na minha alma, num jeito omnipresente e que se chama ausência...