quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Laranja nocturno.

28 de Setembro de 2014 às 04h28
As ruas passaram a respirar a ti... e em cada lampião, ornamento feio e moderno incrustado em paredes antigas, ou belo e carregado de verdete e da malha do tempo, respiro os caracóis do teu cabelo solto e belo a enquadrar o teu belo rosto... Como as pedras da calçada me falam de ti a cada passo... como cada porta fechada, cada viela, cada entrada de bar, cada sobressalto ruidoso de gente a passar ou de ruelas desertas, me falam de ti, como se fosses aparecer ao virar de cada esquina ou no topo de uma rua estreita com a tua beca negra, refúgio negro de veludo acolhedor, fugidio... apetece-me chamar-te, mas sei que se elevar a voz não me vais ouvir pois afinal o que vejo é uma projecção, um holograma da imagem que trago dentro de mim e apercebo-me que tu és tudo e és eu, porque te tenho dentro de mim... e sim, sei que não me ias ouvir porque estás, na realidade, longe, mas sempre, sempre tão perto, dolorosamente perto porque cada espaço, recanto, escada, banco, parede, janela, cigarro projectado contra o escuro da noite, és tu que povoas... E todas as ruas se pintam de laranja dos lampiões que deixaste encantados sem saberes, porque deixaste o teu amor aqui, na tua presença agora invisível... E abraço-te todas as noites no vazio impossível mas tão real que se aninha nos meus braços... Mas fico com o teu cheiro e com cabelos soltos presos no banco do meu carro, que agarro e envolvo entre os dedos..., pedaço de ADN, pedaço de alma, mais que tudo pedacinho de ti!
Agora fumo cigarros sentado no banco, no canto outrora por ti ocupado... ainda vejo o reflexo da luz do teu celular a brincar com as curvas esguias do teu rosto... o teu cabelo apanhado em jeito rebelde que sempre adorei e que algumas vezes vi reflectido no retrovisor do meu carro, entre o escuro médio da condução animada nas noites da cidade, onde sempre consegui descobrir o teu sorriso, olhando-me no espelho... como uma porta aberta que eu fechei no meu peito, mas que não consegui trancar. Agora ela está escancarada à espera dos teus passos e deitei a chave fora...
Vagueio nas ruas de laranja nocturno e a faca de alma cortante e opressora está constantemente cravada na minha alma, num jeito omnipresente e que se chama ausência...


Óculos de sol

15 de Setembro de 2014 às 20h24
Aquele momento do dia, em que começa a escurecer de leve, já ligas as luzes do carro, mas não tiras os óculos de sol...Os óculos de sol são para mim um adereço indispensável durante a maior parte do dia, seja Verão ou Inverno, desde que haja luminosidade que se aprecie, ou pelo menos que ainda se consigam distinguir as cores que existem no mundo. Isto é mais do que apenas meter e tirar os óculos de sol, por causa da sua radiação ou mais ou menos forte luminosidade. Os meus olhos são sensíveis a níveis de luz não muito altos, o suficiente para me obrigarem a semicerrá-los. Os olhos são as janelas da alma, sem dúvida e a mim os óculos de sol dão-me muito jeito... "p'ra chorar, sem ninguém ver... p'ra ocultar, meu sofrer" como diz a canção, para dormir acordado, para ficar dentro de uma penumbra confortável e que tem a ver com o submundo cinza/negro e monocromático que povoa os meus deambulantes pensamentos, pese embora o meu gosto pela diversidade colorida do mundo. Mas tem a ver com o sentimento "cozy" de uma espécie de estado de alma outonal e que, é curioso agora que aí vem o Outono, a minha estação do ano favorita. Porque gosto, das folhas caídas, de amarelo e laranja, até ao vermelho, dos ramos despidos a quererem agarrar com o desespero imóvel que lhes é peculiar, as folhas heróicas que também não querem cair. O vento não perdoa e nem precisa de ser ele... basta que fale com a sua amiga brisa e já é suficiente para que a pobre indumentária das árvores, acabe por cair suavemente no chão, cobrindo a calçada. Outono é cobertores leves de aconchego entre o calor e o fresco. Óculos de sol são tudo isso em qualquer altura do ano, para os olhos e para a alma.

Semente estéril.

28 de Agosto de 2014 às 07h53
A rua cheirava a uma mistela de frenesim nocturno que eu ignorei para não me perder em vapores inebriantes de álcool. Mais ou menos contra vontade, subi as escadas da velha mas pitoresca mansarda que alugámos bem no centro histórico e após um lance recto de escadas, meti a chave à porta.Entrei. O corredor pintado de um castanho misturado de creme, cheirava a café acabado de fazer, sempre acabado de fazer ou não tivesse a cor tudo a ver com o próprio cheiro. Até parecia que a qualquer momento a espuma de um cappuccino havia de vir à tona.Entrei de mansinho na sala onde estavas, de roupão. O longo cabelo preto molhado do banho que tinhas acabado de tomar a tapar-te parcialmente a face, deixando só antever a tua boca de um rosado pálido que sempre adorei e me fez olhar para ti pela primeira vez naquela esplanada. Mexeste-te e abrindo os olhos por detrás da cascata da tua cabeça perguntaste-me em voz baixa de tom rouco "que horas são?" ao que eu respondi que já era quase noite. Então passando com ambas as mãos na tua face e abrindo o cabelo para os lados sorriste e disseste-me "já viste a flor que tenho no vaso novo na varanda?" Não ainda não, respondi. Compraste hoje? "Sim lá no quiosque das catricangas na esquina". Que fixe, disse eu. Fui ver e fumei o último cigarro do dia ainda com os amplificadores a zunir dentro da minha cabeça, olhando o vaso castanho de plástico com uma flor amarela, abandonada no meio de um deserto diminuto de terra preta a querer brotar para o mundo, na sua grandiosa insignificância... Apoiado com os cotovelos no beiral da varanda ouço-te perguntar "como foram os ensaios?" Fixes. Temos mais duas músicas novas. Silêncio após palavras. Cá em baixo a rua estreita enchia-se de gente na roda dos bares. Meio cigarro queimado atirado fora e entro na sala caindo no sofá de onde tinhas saído para fazer café. Já não o cheguei a beber, pois caí no torpor do sono esmagador e quando acordei tu não existias.

Tarde

18 de Maio de 2014 às 15h42
Sobe a rua, sobe que sobe... sobe a calçada. O entardecer ainda longínquo veste-se de azul e de farrapos brancos aqui e ali, cada vez mais esfarrapados, mas tranquilos. Atravessa a rua quente pela passagem, para parar os carros que devoram o asfalto a queimar. Foi então que ela saiu fechando a porta atrás de si. O alpendre ainda fresco que o sol não conseguia tocar, protegia-lhe o cabelo ainda molhado do banho tomado antes de sair... certamente... Não a conseguia ver por detrás dos óculos de sol, mas sentia-lhe os olhos que de primeira miragem fora de casa lhe entrou à sua frente, a penetrá-lo como se do próprio sol se tratasse... Queimadura, misto de doce torpor que lhe puxava as pernas para trás... Sobe a rua, sobe que sobe... sobe a calçada... quem era? Não interessa. Depois da curva, o sol foi comido pela suave penumbra, que lhe refrescou o espírito contra vontade e lhe disse onde pôr os pés: "Onde pensas que ias? Pois tu não sabes que pertences à sombra? Põe-te ao fresco!". Tal e qual! Paulatinamente as pernas começaram a reagir e o chão ficou direito. O fundo da rua ensolarada ficou lá em baixo, como que inacessível por agora e onde parecia não conseguir mais regressar... Ainda sentia na boca o sabor do café, tomado entre o arrefecer no abraço do calor do sol, a bater-lhe na chávena e o fumo do cigarro que acompanhou tal ritual. Café e cigarros, como dois bons e eternos amantes, sem sexo, com sabor a leviandade e tranquilidade ao mesmo tempo.
Agora que puxava por outro, sentado no alpendre atacado pelas longínquas erupções solares, recolhia-se a um canto até encostar a cabeça contra a parede... a boina a servir-lhe almofada vertical... Olhava de novo o fundo da rua, longe... parecia... o alpendre fresco e sombrio deu-lhe azo a pensar que até parecia que já tinha ali morado... o candeeiro pendurado por cima, parecia rigidamente imóvel à espera que o dia acabasse, para iluminar as trevas pouco ferozes, que de citadinas que são, nada são contra a imensidão do campo a perder de vista. Mas ali não. A rua escaldada, calada, tranquila onde nem os carros passavam já e ninguém se atrevia. Excepto uma silhueta ao fundo que entretanto dobrou a esquina. Sobe a rua, sobe que sobe... sobe a calçada... A gravidade é eterna e incansável. Vem devagar que chegas depressa. 
Riso abafado de criança, doce como a mais terna das coisas que o faz sorrir por entre o fumo do cigarro. Aqueceu-o sem o queimar, como um sol que despontava dentro do peito. Uma lágrima doce, casada com o sal rolou livre pela face e ele não a segurou por debaixo dos óculos de sol. O calor e a tarde fazem destas coisas... Já quase a chegar ao topo, mesmo em frente ao seu alpendre, chapado de sol... Sobe a rua, sobe que sobe... sobe a calçada... Mas não era ela.

O silêncio... "novamante"...

16 de Junho de 2011 às 12h07
 Quantas e quantas vezes o silêncio diz mais que um amontoado de palavras, que, ainda que as estruturemos na perfeição gramatical e semântica, são absolutamente nada, comparadas com esse silêncio... significativo, verdadeiro, porque nada é mais verdadeiro que o silêncio. Só é mau quando ele se torna ensurdecedor! No silêncio encontro meditação e verdade. Esse silêncio pode ser encontrado às vezes no meio de uma muralha sonora, carregada de decibéis de uma malha pesada qualquer daquelas que ouço... Tantos silêncios (des)encontrados que já encontrei... tantas "palavras perdidas que ficam por dizer", umas vezes porque não se sabe o que dizer, outras porque não se quer, outras porque o alvo dessas palavras já foi e não o soubemos agarrar para lhas dizer... porque o tempo anda de mãos dadas com o silêncio e no entanto coexistem independentes.
 No teu silêncio encontro tudo o que nunca encontrei noutros silêncios! Só o teu silêncio me tranquiliza e inquieta! Só o teu silêncio me dá paz de espírito e me faz achar completo, pois nas palavras que não dizes está todo o significado delas que expressariam o teu sentimento, se elas fossem ditas... Mas não as dizes, nem as digas! O teu silêncio tudo me diz, porque só tu és um livro aberto e quem quiser ler, lê em ti só não lê quem não estiver interessado. Porque só tu és autenticidade! Austeridade até, mas de uma generosidade imensa! Porque só tu és verdadeira no teu silêncio, na maneira como te sentas, na maneira como me olhas e me dás o silêncio... um pouco dele... do teu silêncio que me diz o que és! 

Onde quer que eu vagueie...

20 de Dezembro de 2013 às 23h43
... Escrutinando a escuridão longínqua, temerosa dos candeeiros da rua... o tom alaranjado tão familiar e acolhedor... ocorre-me pensar: gostas assim do teu vento? Amas tanto assim a tua liberdade? Não preciso de esperar muito, para que eu próprio me responda! Nem seria tanto pelo frio que poderia congelar-me as ideias! É que a resposta surge quase imediata como que a aflorar debaixo da pele! Sim amo mais o vento frio a uivar que um cobertor de papa no ninho de lã, enroscado num par de pernas que saberei que um dia acabaria por deixar e com isso magoar a bonita cabeça dona delas, sem o merecer! Porque me dou conta sim que, sou mesmo livre ainda que o ladrão, esse ladrão chamado amor me queira prender de grilhetas a uma masmorra fofa e confortável, escudada na rotina do "fazer-se aquilo que se deve" e não o que o teu sentimento te pede! Tudo é possível! Desde que não cometas nenhum crime! O maior seria eu mentir-te e mentir a mim mesmo, dizendo que ficaria por pena, quando pena não é sentimento! O vento, só o vento me escuta e me compreende! E com isso sorri, talvez até sarcasticamente, antevendo um velho só e esquecido, algures num tempo e espaço diferente, anos daqui, muitos anos... espero eu...!

A história dos dias sem fim...

14 de Julho de 2011 às 19h37
Boa tarde, um café por favor...
Passados poucos minutos o café aparece na mesa, quente, convidativo e promissor de outro ânimo quando acabar de o beber...
Acendo um cigarro, o primeiro, dentro do café. Tabaco e café, como dois namorados, ou amantes de ocasião, a maior parte das vezes, "sem lembrança boa ou má...", como diz a canção... acabam-se depressa, consumindo um prazer imediato, fútil, que se repete pelo vício, quer do passar das horas, quer do querer afogar frustrações...
A janela projecta-me uma imagem de formas geométricas, de prédios tal qual caixas de empacotar pessoas onde no interior se refugiam no seu mundo próprio, virando costas à vida lá fora. E a vida passa a correr devagar e parece que não quer apagar o buraco que trago no peito. Viro costas ao túnel procurando a luz e forço-me a sorrir, sem vontade, à espera não sei bem de quê... Apetece-me saltar fora do labirinto onde me encontro e pular a cerca. Noite, copos, mas nem tanto, a própria noite tornou-se desinteressante, copiada e plagiada da noite anterior onde quer que vá. As mesmas pessoas, as mesmas vedetas de filme negro da Grande Depressão, as miúdas solícitas que sorriem e vão encostando a mão nos rins para dançar e algo mais... Sorrio educadamente e afasto-me abraçando outra garrafa de cerveja, que só me refresca a garganta e acaba por aquecer o estômago... O coração continua frio, imóvel, de pedra e cal, sem emoções às quais sorrio e abano a cabeça em sinal de assentimento, a ouvir a música que nos injectam nos ouvidos e digo para mim mesmo: "Vamos lá curtir a mesma merda de sempre..."
A noite acaba e com ela vem a madrugada trazendo lixo humano e degradante, de quem não tenho pena e mordo uma ostentação xenófoba, assim a nobreza de ideais me obriga... Somos todos iguais, somos todos iguais... Mas uns mais iguais que outros, outros piores ainda e mais filhos da puta que outros, a quem também sorrio e me dão palmadas nas costas e beijos ostensivos, de cariz quase institucional, com excepções à mistura. Afinal também aparecem amigos que mal me olham ficam, a saber que algo não vai bem em mim... Mas escuso-me a explicações, guardo no meu íntimo o que me roi por dentro, sem saber no entanto se vou ficar como uma parede esburacada depois de um conflito armado, ou se, e, ainda assim, ela se manterá em pé, em tom de desafio, procurando mais precipícios onde à beira, espera que uma calamidade a abane na sua estrutura e a faça desmoronar...
Passam os anos, aprende-se (ou talvez não) o que não deve voltar a fazer-se, acções que não voltarei a tomar. Mando na minha cabeça, mas não no coração e o peito não se abre embora aberto por um espaço oco que deixou de ser preenchido em pleno... E sofre-se outra vez... As mesmas emoções esmagadoras noutros corações, "os mesmos inimigos noutras caras...". Fica-se a olhar o limite entre a terra e o mar na esperança de encontrar uma resposta desses dois "seres" criados pela Mãe Natureza que me indique o caminho... Ou me molho e afogo, ou volto para trás a pisar solo firme que um dia me há-de comer e fica-se na mesma... Os dias infindáveis, as noites cinzentas de luz fosca e claustrofóbica, a luz do candeeiro da mesinha de cabeceira a querer espevitar-me e reagir na sonolência do olhar vazio no espelho em frente à minha cama... reconheço-me como sempre fui, apetece-me partir aquela imagem que eu próprio reflicto e sair outra vez, patrulhando a noite sem ninguém... Vai-se fazendo tarde no tempo, na minha mente e no meu peito... Espero por algo que o meu íntimo me vai dizendo aos poucos que não vai acontecer e a estrada que outrora percorri, abre-se de novo à minha porta quando desço para o carro...
Ele vai sozinho, devagar, autónomo, a ronronar, puxando-me suavemente para as encruzilhadas que tomo rodando o volante... Depois deixo-o seguir novamente sozinho... até onde me leva? De volta ao mesmo local... De volta a "casa", para o meu quarto, a minha cama, onde me deito e adormeço, vencido pelo cansaço da alma porque o corpo ainda resiste, mesmo após uma flexões no tapete... Durmo na noite já madrugada a querer fazer entrar o sol pela persiana... cela... o dia está a chegar... mais um dia sem fim... na sua estória concumitante e repetitiva, afinal de contas... a história feitas de estórias, dos dias sem fim... até quando..........................................................?